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CARA GENTE BRANCA, quem é o adulto?



Minha sobrinha é educada para entender que só se pode refutar argumentos de especialistas sendo especialista... e que em uma conversa informal entre pares - e ela nos considera em casa assim, apesar de sermos também seus tutores - pode se expressar livremente, sem a sensação de pisar num campo minado de notório saber. Ela sabe por exemplo que o termo correto para se referir aos povos originários é indígena. Que o termo “negro”, apesar de ter sido também ter sido criado pela tradição eurocêntrica, foi apropriado pelo movimento negro e que por isso pode e deve ser usado... Sendo assim, quando ela decide intervir em uma mesa de bar, recheada de adultos brancos, dizendo que o termo correto para se referir aos povos originários é indígena em vez de “índio”… Isso me parece perfeitamente normal e aceitável. Entre outras questões étnicas que deviam ser debatidas para os pequenos, sejam eles de que etnia for, desde a tenra idade, isso é uma questão de humanidade.


Para além, ela sabe também o porquê e a importância disso tudo. É preciso entender que o status quo vigente está profundamente impregnado da visão eurocêntrica patriarcal e conservadora de que o que está dado é imutável. Até 1888, era lei manter escravizados pretos, pardos e indígenas. Eram silenciados, maltratados e considerados sem alma e sem humanidade. Percebam: matar pessoas por serem diferentes. É disso que se trata. Aos poucos essa realidade tem sido mudada, a ponto de uma garota negra e periférica frequentar um dos bares mais antigos e brancos de Campinas. Rodeada de pessoas, que em tese, deveriam proteger sua integridade psíquica e pessoal.


Mas isso não assegura a ela, apesar de cercada de adultos, necessariamente, de ser vítima de uma forma muito sutil e “aceitável” de racismo estrutural (cf. Almeida, Sílvio. 2020) que a questiona, impõe e desrespeita sua voz de adolescente querendo se colocar no mundo. O patriarcado e sua consequente filha, a branquitude (cf. Schucman, Lia. 2021) não se sentem felizes com uma criança subversiva, segura de si e de seus propósitos... Sobretudo se for negra. E menina. E periférica. Como terapeuta, psicanalista e educadora, entendo o papel dos adultos como gestores desses seres humanos maravilhosos, livres e opinativos no caminho do questionamento e da ciência. De outra forma, erramos ao expormos de QUALQUER maneira nossos jovens. De maneira simples, entender que a pergunta sempre deve estar no lugar amoroso. A crítica atrelada ao argumento. Quem é o adulto? É ele que deve se adaptar à linguagem do mais novo, mesmo que seja para refutar a opinião deste. Quando, como educadores compulsórios que somos das crianças ao nosso redor, esquecemos da nossa posição e lugar amoroso, de escuta ativa e adaptada, corremos o risco de traumatizar, intimidar e destruir um início genial de entendimento do mundo. O médico, psiquiatra e psicanalista Sandor Ferenczi (1923), em seu texto “A adaptação da família à criança” pormenoriza esse fato. A estrutura está doente e não só politicamente incorreta. As imperfeições crassas estão no âmbito social, econômico, psíquico... É traumático, infeliz e depressivo. A diversidade sempre causará estranheza, entendo. Isso é mais um motivo, convite, para aprendermos como seres pensantes e analisantes que somos, a sair da caverna de sombras e buscar a materialidade da vida a partir da experiência saudável, ouvinte e amorosa com quem nos cerca. E você…

Já escutou ativamente o seu filhe hoje?


Texto de Vanessa Rodrigues.

Professora e psicanalista.


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