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FIM DE FESTA, MEU BEM. - E agora, José? A festa acabou.




Dizem que o ano começa depois da quarta-feira de cinzas, o corpo exausto da folia, volta à rotina do horário comercial como procedem as regras do Jogo da Vida.

Por alguns dias, a cidade pôde assistir de perto as fantasias tomarem as ruas, o cortejo passar e capturar a atenção dos desprevenidos e curiosos, foi possível se identificar com quem denunciou as amarguras da política nas plaquinhas, rir das paródias sobre os líderes mundiais e seduzir com o corpo quem passava por ali afim da paquera.

Houve espaço para tudo durante os quatro dias: manifestos, danças e atos que apontam ao que há de mais humano: o desejo. Algumas extravagâncias sempre acontecem, claro, se compararmos tais eventos aos dias “normais”, sempre haverá alguma discrepância, afinal, de trezentos e sessenta e cinco dias, restam apenas quatro para a festa da carne, é pouco tempo dedicado a isso, não acha? Seja pouco, ou seja muito, o fato é que o carnaval acabou. Mas e agora, o que fazer com o corpo? Com as palavras da denúncia? Com a piada vexatória contra o dono do dólar? E agora, você?

O carnaval vai na contramão do horário comercial e do corpo-rativo, que dispõe de um ideal imaginário a ser conquistado para então poder dar acesso a algum tipo de gozo ao sujeito, sempre medido e regulado. É durante a festa da carne, que uma certa semi-nudez pode aparecer em busca da liberdade e da atração de novos olhares. O corpo passa a ocupar outro sentido, outra função, arrisco em dizer que tais funções são mais criativas e maleáveis que a pose engomada do escritório - o corpo vira símbolo, e por isso consegue satisfazer-se dentro dos limites do sentido que o sujeito pode inventar para si.

Um sentido que talvez remeta ao tempo Antigo, e à toda simbologia presente na época, onde os gregos celebravam o fim da escassez do inverno e a chegada da primavera, bem como a fartura que seguia os dias de Sol por longos meses. Na época, escravos, mulheres e os mais desfavorecidos encontravam brechas sociais e assim, conseguiam ocupar lugares de aplauso, como acontece aproximadamente, nos desfiles das grandes escolas hoje em dia, os também excluídos gozam de certo poder e privilégio com o corpo. O carnaval tem disso, pois propõe na rua o espaço para ridicularizar os poderosos e aplaudir os injustiçados, concede a palavra, o sentido, a atenção e o troféu de quem fantasiado pôde romper com a lógica maquínica que vivemos, e contagiar os simpatizantes com a alegria de viver mais uma vez.

O tempo do calendário retorna e com ele a vida toma a forma que lhe é de rotina. Apesar disso, o carnaval passa deixando os glitters pelo sofá, e a possibilidade de um novo sentido para o corpo e a experiência de viver as fantasias, além de anunciar a presença das máscaras e suas facetas, afinal, a festa ainda é sobre aquilo que está por vir e isto inclui o devir que cabe a todos.



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Vinicius Xavier

É ex-aluno D’Alma. Psicanalista clínico, especialista em Semiótica e Análise da Cultura pela PUC-SP. Curador de conteúdo da página @atravessapsicanálise.

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